segunda-feira, 25 de agosto de 2014

#10 Reb’l Fluer by Rihanna: um trajeto em direção ao gozo no labirinto especular Parte 1


Tenho um fraco imenso por comerciais e esse, em especial, me causa certa nostalgia e ótimas lembranças, talvez seja por isso que amo assistir e mais que isso, analisá-lo. Esse curta metragem carrega nos seus dois minutos uma carga de signos visuais responsáveis por causar mais que um efeito estético na produção, mas como também, a exaltação do perfume de todas as formas possíveis. Veremos a seguir, um exemplo claro de um ser onipotente e onipresente dotada de tudo.


Começo minha análise. Logo que iniciamos o comercial, é essa imagem que nos espera. Uma câmera alta é responsável por fechar uma cena totalmente fascinante, onde temos o que parece ser uma grande flor com pétalas de um rosa suave, um círculo centralizado e dentro dele, também centralizado, uma mulher que está vestida com o mesmo lençol que forma o círculo, um ser perfeito ao olhar. Seus gestos são extremamente sutis e ditam o abrir e fechar desta imensa flor. Podemos observar também que ela está com os olhos fechados durante todo o tempo, porém, em uma mirada direta para a câmera, ela abre-os e direciona sua primeira visão para o telespectador. No decorre destes primeiro segundo, também aparece o signo visual: “Reb’l Fluer by Rihanna”, que logo some no decorrer das lindas pernas da modelo, esse fato também é usado para mostrar sua onipotência. Não podemos deixar de observar o fato de ela estar sendo gerada dentro de um círculo: “CÍRCULO – É o símbolo da perfeição, daquilo que começa e acaba em si mesmo, da unidade, do infinito e do absoluto”.


Neste processo o órgão visual desempenha um papel decisivo. O olho é o órgão através do qual o sujeito busca aquilo que carece, manifestando-se, assim, como um órgão desejante. E, ao mesmo tempo, o olho (o olhar) sustenta um vínculo visual, escópico, intensamente satisfatório, com o outro. (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).

Essa situação me lembrou de algo muito familiar, algo que de fato nos leva a um nascimento neste momento do comercial; ela, a modelo, está sendo gerada no centro da flor, e , assim como uma criança que acabou de nascer, ela fica todo o tempo com os olhos fechados e só abre-os para fazer a identificação com a primeira imagem da sua vida, a mãe. No caso do comercial, essa primeira imagem, a de identificação dual, fica com o espectador, que foi reconhecido neste momento e levado à Fase do Espelho: “A primeira forma de identidade, de consciência de si, no sujeito humano aparece, por volta dos seis meses, quando o menino começa a perceber os limites de si, a elaborar a diferença entre o dentro e o fora, entre o eu e o não eu”. (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).

O movimento de abre e fecha (ao qual vejo como adoração) continua e esse momento me lembra de outro fato: “O Nascimento de Vênus”. Para quem não sabe, “O Nascimento de Vênus” é um quadro famosíssimo de Botticelli que mostra uma linda mulher (Deusa da Beleza) gerada de uma concha, algo que lembra o nascimento da modelo no comercial.

Uma luz, um ser divino

Depois de algum tempo a fazer os gestos de adoração a si mesma, a modelo é totalmente fechada na imensidão de pétalas e com um sorriso no rosto abre seus braços e vai em direção ao seu desejo. Porém, antes de prosseguir, não poderia deixar de falar de um fato totalmente surreal: uma luz vinda do altíssimo invade a cena nesse momento e parece, digo que é sim, abençoar o nascimento da nossa Deusa perfeita e, agora, divina. Fato lembra muito “A Anunciação”, veja:

"A Anunciação" - Fra Angelico
A luz se fecha e ela abre os olhos, vira para o lado e com o dedo indicador, aponta para seu desejo e vai atrás dele. Corre e olha para trás em um ato de puro delírio, entrando assim, em um labirinto, o labirinto especular ao qual ficará presa e ao qual é extremamente viciada.

Um labirinto especular e fálico


Ela está perto de liberar seu outro lado, o lado selvagem e fatal, além de, mais que nunca, narcisista. Repare na imagem que coloquei acima, para ser mais específico, nas formas que se apresentam neste momento e ao qual será mostrado nos próximos segundos do comercial. Essas formas fálicas são uma forma evidente de mostrar o local de poder que ela acaba de entrar. Um local do desejo e da plenitude do objeto absoluto: o perfume. Tudo isso é colocado para reafirmar sua promessa de totalidade e perfeição. Em outras palavras:

Sua qualidade imaginária, enquanto é capaz de tornar possível tal restituição, vai ser colocada em cena com todos os signos da apoteose, como por exemplo: uma iluminação especial nos rostos dos atores, uma dinamização exagerada destes ou uma exageração também do universo que habitam, uma profusão de gestos de êxtases, uma intensificação cromática (a passagem do branco e preto para a cor), a conquista do objeto amoroso, etc. (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).

Agora chegou a hora da transformação; uma metamorfose que dará a ela uma troca total de personalidade. Sim, teremos uma mulher totalmente fatal e narcísica. Seu desejo pulsa e não pode ser controlado, tem que ser saciado e será. Ao começar andar pelo labirinto, ela depara-se com um espelho, que, inclusive, parece muito mais um portal. Neste momento temos algumas confirmações: uma declaração explicita da sua estima narcisista e “Bad Feels So Good”, traduzindo, “O Mal é tão Bom”, porém o que temos, de fato, é: “O Proibido é Tão Bom (prazeroso)”.


As palavras ditam o que ela quer: o proibido e revela ao espectador este segredo:

Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, fica convencido de que os mortais não conseguem guardar nenhum segredo. Aqueles cujos lábios calam denunciam-se com as pontas dos dedos; a denúncia lhes sai por todos os poros. Por isso, a tarefa de tornar consciente o que há de mais secreto no anímico é perfeitamente exequível. (FREUD, 1901-1905, v. VII)

O espelho: um portal para uma mente narcisista

Ao passar pelo espelho, uma mudança radical acontece: sua roupa, antes rosa, torna-se negra, uma arma tatuada perto aos seis fica em evidência, a luz muda e a música, antes suave e calma, toma um ritmo acelerado, frenético e que causa uma tensão no espectador. Estamos prestes a presenciar o encontro dela com o seu objeto máximo de desejo, porém antes entramos em um universo especular e totalmente fragmentado. Os espelhos detêm grande função no local: mirar o espectador em uma olhada ao seu próprio reflexo. Mas como seria isso? Reparem que em inúmeros momentos a modelo mira seu reflexo no espelho, contudo ela mira o espectador, como se ele olhasse seu reflexo e a visse. Uma técnica que serve para estabelecer uma igualdade e reafirmar que o ambiente é dual, fechado e ao qual nenhum terceiro elemento poderá entrar.



Ela olha, coloca a mão na boca e a deseja de forma intensa. Nesse momento, em um movimento narcisista, como todo o comercial, ela entra no espelho em uma profusão dela mesma. Parece que a sua caminhada por esse lugar de desejo se resume a isso: admiração de si e a busca de seu reflexo dentro dos objetos especulares; ela encontrará o que procura justamente assim.

Acredito que estamos no campo do erotismo; o ambiente é erótico: “Neste sentido, o ser se perde objetivamente, mas então o sujeito se identifica com o objeto e se perde. Se for necessário, posso dizer, no erotismo: Eu me perco.” (BATAILLE, 1979, p.48, tradução: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).


A imagem acima é intrigante. Toda vez que a olho tento desvendar, no movimento do seu giro, se não estamos na sua mente: fragmentada e psicótica. Sim, acredito que esse é um desfecho da sua realidade; um ser que não faz um gesto que não seja o da sua adoração; ela ama-se e deseja-se acima de qualquer coisa. Os fragmentos expostos na cena narram justamente isso que acabei de dizer. Os rapazes que aparecem, em forma de reflexo, mostram o que ela possui em seu inconsciente: o desejo de possuir um falo, ela imagina e crê que é dotada de tudo e realmente ela está certa. Entramos no campo do Fetiche e o Falo que ela imagina ter não é o Real, mas sim o imaginário, que foi perdido e que toma vida na forma do seu objeto dual: o perfume. “O Falo não é o pênis enquanto órgão. O Falo é um pênis fantasiado, idealizado, símbolo da onipotência e de seu avesso, a vulnerabilidade” (NASIO, 2005, pág. 22).

Isso equivale a dizer que normalmente deveria ter sido abandonado; o fetiche, porém, se destina exatamente a preservá-lo de modo mais simples: o fetiche é um substituto do pênis da mulher (da mãe) em que o menininho outrora acreditou e que – por razões que nos são familiares – não deseja abandonar. (FREUD, 1927)

Para quem ainda não percebeu, estamos vendo uma anunciação para a chegada de algo dotado de plenitude e poder.

Um olhar no espelho que leva ao gozo

Ao chega à armadilha especular, o espelho dita as regras e deixa em evidência uma adoração constante do Eu. Não há um gesto que não seja o de querer-se o tempo todo e, além disso, faz do espectador o alvo da sua mirada: “O espectador e seu desejo ficam assim aderidos a este universo imaginário, a esse dublê sedutor e oco, esvaziado de toda identidade diferencial, que lhe captura com seu olhar sedutor, absoluto e exclusivamente fático.” (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).


Outro fato eleva mais ainda o poder dela: joias. Sem sombra de dúvidas os anéis em seus dedos são preciosos, e enquanto uma mão possui quatro anéis, o outro apenas dois. Qual seria a explicação para isso? Em breve será destrinchado aqui. Ainda na sua caminhada, a câmera corta a cena deixando apenas uma de suas pernas em evidência e logo a seu lado um pedaço de espelho. Enquanto caminha, passando pelo pedaço dito acima, o espelho não reflete seu rosto, mas sim, o de um rapaz, que mais uma vez aparece como uma mirada da sua mente. Presenciamos de maneira explícita o “Nem Masculino, Nem Feminino”, colocado por Requena como uma das estratégias desse tipo de comercial.


Por sua própria estratégia, o jogo de imagens que conduzem à visualização publicitária do objeto narcisista absoluto, tendem de forma inevitável, por sua lógica de identificação, a apagar toda diferença. Tanto nas figuras do destinador e destinatário, quanto nas do masculino e do feminino. (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez)

A seguir, mais uma vez ela mira o espectador e rapidamente tira seu olhar para o lado. Isso se repete ao decorrer de todo comercial, uma forma de dizer: siga meu olhar e goze!


Agora vamos falar do Mito de Narciso. Porém, antes vamos ver outra cena que mira o espectador, mas é bom observar o rapaz cortado ao lado. Ele está fora do espelho, e poderia parecer um terceiro elemento, contudo, ele não representa a lei, bem pelo contrário, pela ocultação do seu olho e o foco no dela mostra que são a mesma coisa. Ela é o olho dele. Ainda temos alguns outros fatos na imagem: uma luz aparece no espelho, como um olho, como uma luz divina que acompanhará a próxima cena, ela toca-se acariciando a si mesma enquanto se olha. Outro fato: ela está centralizada. “[...] a visão das imagens (artísticas, no caso) consiste em organizar esses diferentes centros com relação ao centro “absoluto” que é o sujeito espectador.” (AUMONT, 2004, pág.148)


O Mito de Narciso

Decidi reservar uma parte exclusiva para esse tópico, pois, como venho repetindo desde o começo, estamos em um labirinto narcisista. Para entender mais, caso não conheça a história, leia abaixo:

Narciso entristeceu-se e foi à beira de um lago, onde, de modo surpreendente, deparou-se com sua imagem nos reflexos da água. Como nunca antes havia se olhado (pois sua mãe foi recomendada a não permitir que isso ocorresse), enamorou-se perdidamente, acreditando ser a pessoa com quem estava “dialogando”. Por isso, tentou buscar incessantemente o seu reflexo, imergindo nas águas nesse intento, mas acabou morrendo afogado. (BRASIL ESCOLA)

A imagem que colocarei embaixo revela a fascinação pelo seu próprio reflexo. Ela, a modelo, leva sua mão em direção ao espelho (câmera) para pegar sua imagem. Mas qual espelho, já que na cena dita não aparece? O espelho dual do espectador. No momento em que ela eleva a mão para pegar sua imagem, ela quer na verdade a imagem de quem está observando-a, pois a relação dual também ocorre com quem a ver. Uma vez que sua atitude não é bem sucedida, visto que a imagem no espelho não pode ser pega apenas observada e desejada, sua mão bate, a câmera muda de lado, reafirmando que existia um espelho imaginário ali, e ela coloca a mão na boca em uma cena de desejo delirante. Sem sombras de dúvidas temos uma referência explicita ao Mito de Narciso.


Continua...

________________________
Referências

Título é uma referência à análise: Mogambo de John Ford: um trajeto em direção ao gozoRODRÍGUEZ, Vanessa Brasil Campos. Além do Espelho: Análise de Imagens de Arte, Cinema e Publicidade. Anajé, Bahia, p.47 - 65, 2011.

REQUENA, Jésus González. O comercial de televisão: entre o signo e o espelho, Jésus González Requena / Tradução e adaptação: Vanessa Brasil C. Rodríguez. _______________, 1995.

AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP: Papirus, 2004.

NASIO, Juan David. Édipo – O complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de Janeiro, RJ, 2005.

BRASIL ESCOLA. Etória de Narciso e Eco. Disponível em:
http://www.brasilescola.com/mitologia/estória-narciso-eco.htm. Acesso em: 08 jan. 2014.

GIRAFA MANIA. Simbologias - Simbólos. Disponível em: http://www.girafamania.com.
br/montagem/simbolos.html. Acesso em: 25 ago. 2014.
Imagens

INFO ESCOLA. Fra Agelico.  Disponível em: http://www.infoescola.com/biografias/fra-angelico/. Acesso em: 25 ago. 2014.

YOU TUBE. Reb’l Fluer by Rihanna.  Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iyy4wn
3E730. Acesso em: 24 ago. 2014.

domingo, 17 de agosto de 2014

#9 EAU D' EDEN



Um objeto antropomórfico em primeiro plano e uma figura de uma mulher em segundo. Assim podemos descrever a primeira vista o anúncio do Eau d’ Eden, porém temos aqui muito mais do que apenas o superficial.

Primeiro podemos ver a linda modelo totalmente coberta por rosas; algo que de cara podemos associar a perfeição dela. Na imensidão de flores apenas seu rosto e um dos seios são deixados a vista e ainda no seu rosto, podemos ver apenas um lado da sua bochecha pintada de um rosa sutil, logo mais iremos destrinchar aqui o por que.  Sem sombras de dúvidas estamos na presença de Eva¹, na sua plena forma de ser perfeito, puro e narciso. Algo evidenciado pela forma de reflexo que é vista na parte inferior do anúncio: é como se ela estivesse flutuando na água, estamos de fato no paraíso.

Por isso a realidade se dilui: Não há realidade na relação dual, dado que sua economia é a do narcisismo primário. No espelho dual, na plenitude da identificação imaginária, não há lugar para o significante e por isso o objeto não pode ser simbolizado: não conhece, aí, outro especular, esse sobre o que o Eu, não origem, teve de modelar-se. (1997, p. 57)

A aparição de uma de seus seios nos leva a uma semelhança com o quadro Madona de Jean Fouqut, porém sem dimensões simbólicas, pois no ambiente do dual e do imaginário isso não é viável. Esse gesto também faz presente à comparação do próprio pecado original; sim, aquele que, segundo a Bíblia, foi cometido por Eva e que deu a perda do Paraíso para Ela e Adão. Todavia, nesse ambiente de gozo visual, ela, a modelo, é o próprio paraíso. Um paraíso que tem por finalidade alimentar a necessidade do sujeito por perfeição. Outro fato a ser observado aqui, e que nos leva mais uma vez ao pecado no Jardim do Éden é, como havíamos dito no começo, o fato de apenas uma das suas bochechas estarem pintadas e esse ciclo se fecha de forma evidente no não reflexo dela na água, ou seja, apenas resta a sua forma original: de rosas puras e porque não dizer, virginais.

No momento em que ela é refletida na água, surgi também o signo textual: “Eau d’ Eden”, ou seja, “A água do Éden” com o seguinte slogan: “Un parfum de paradis”, traduzindo: “Um perfume do paraíso”. O objeto absoluto se coloca como perfeito, pleno e capaz de reconstituir a plenitude do ser narcisista; coisa que ele já conseguiu com a modelo. A igualdade é evidente, até pelo fato do reflexo: parece que ele, O Perfume, faz parte do reflexo da Eva. O objeto publicitado, toma vida própria e em primeiríssimo plano, com uma tampa que mais parece um olho com uma fenda negra e também com o seio da modelo, identifica o sujeito juntamente com sua imagem plena, a modelo, e o destrói.

É como se Ele, O Perfume, dissesse: “Eu sou mais que signo, sou sedução: imagem ativa, olhante, que te satisfaz e preenche” (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995).




1. Segundo a Bíblia, Deus criou Eva da costela de Adão para os dois viverem em um paraíso chamado Éden, porém, o pecado de comer o fruto proibido exercido por Eva, levou-os a serem expulsos do Jardim.
Análise: Nelson Filho, Laize Alves e Yago Matheus

domingo, 10 de agosto de 2014

#8 DOLCE & GABBANA PARFUMS



No anúncio de perfume Dolce & Gabbana temos seres completamente nus e esteticamente perfeitos. Ao olhar para a figura acima, logo há a sensação de que algo é escondido; seria isso o visível? O sujeito estaria prestes a ver o que ele sempre desejou? Os perfumes do lado direito respondem que não. É claro, o pesadelo da castração pelo sujeito não pode ser visto, ela tem que ser substituída por algo que, ao mesmo tempo em que supre sua necessidade por esse falo imaginário, não o deixe a vista, pois o mesmo causará a cegueira: “A beleza é uma aparência e um véu que escamoteia nossa visão de um abismo sem fundo e sem remissão no qual tira toda visão e se trinca todo efeito de beleza” (TRÍAS, 2006, p.79).

Os objetos extremamente fálicos, que se apresentam em sinal de igualdade, enaltecem-se, sendo eles o tampão para toda fenda presente. Os corpos se tocam formando uma teia, que nos leva para o centro do anúncio, onde temos de fato, o centro formado pela junção das partes, Pode-se observar também a dualidade presente no local; todos vivem no delírio imaginário. Aqui podemos ver mais uma vez o nem masculino, nem feminino¹ e uma promessa que não se cumprirá:

Na grande maioria dos casos, dentro desta incessante expansão metafórica da totalidade, o sexo, a promessa do encontro sexual, haverá de ocupar um lugar relevante. Junto aos mais belos e prometedores corpos, junto aos objetos, cujo desenho, design, imita as linhas da sensualidade feminina ou a musculação da virilidade, todas as metáforas da união sexual, inclusive aquelas mais absurdas, aparecerão em cena para associar-se ao objeto e confirmar sua promessa de totalidade. (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÀRATE, 1995)

O modelo do meio, único que está colocado de forma reta no anúncio, mira o espectador e de uma maneira extremamente sinuosa, mostra que está pronto para pegar algo, porém a modelo logo acima dele, em um gesto de não deixar a vista para o sujeito o que deve permanecer velado², o nega. No lado esquerdo da peça temos dois corpos masculinos que parecem se fundir em um ambiente totalmente especular. A forma como as modelos estão, lembra-nos o quadro “O Nascimento de Vênus”, porém ao contrário de Vênus, as lindas mulheres fálicas escondem o que não pode ser visto, não o que lhe faltam.

Esse ambiente, que traz ao fundo uma luz forte, que parece tomar conta dos corpos aos poucos, nos deixa em uma atmosfera estranha, em outras palavras: “Toda essa atmosfera estranha, mescla de fantástico, cria no espectador uma sensação de que ‘algo sentido, temido e secretamente desejado pelo sujeito, torna-se, de forma súbita, realidade’. (TRÍAS, 2006, p. 47)” (RODRÍGUEZ, 2011, p. 127).




1 Ver análise do anúncio “Japur”.
2 Termo utilizado por Vanessa Brasil na análise do anúncio do perfume da mesma marca no livro Além do Espelho, (2011, p.124).
Análise: Nelson Filho, Yago Matheus e Laize Alves

quinta-feira, 31 de julho de 2014

#7 VV - ROBERTO VERINO


“Narciso entristeceu-se e foi à beira de um lago, onde, de modo surpreendente, deparou-se com sua imagem nos reflexos da água. Como nunca antes havia se olhado (pois sua mãe foi recomendada a não permitir que isso ocorresse), enamorou-se perdidamente, acreditando ser a pessoa com quem estava “dialogando”. Por isso, tentou buscar incessantemente o seu reflexo, imergindo nas águas nesse intento, mas acabou morrendo afogado.” Com esse trecho do “Mito de Narciso” que começamos nossa análise, até porque o que se vê no anúncio de Roberto Verino é um ser narcisista, que para tentar pegar sua imagem mergulhou, definitivamente, em si mesmo.

Ao olhar para a figura acima, podemos perceber o quanto a modelo é perfeita; corpo desenhado, rosto angelical, nua e em busca de algo. Mas o que ela procura? Tão perfeita e não está satisfeita? Ela procura sua imagem em um gesto desesperado para encontrá-lo no lugar onde a viu: na água.

O eu, portanto, percebe imagens – e aqui vem a compilação, imagens que, uma vez inscritas no Eu, uma vez recebidos pelo Eu, convertem-se na substância do eu. Ou seja, que entre o Eu e o mundo entende-se uma única dimensão contínua, sem nenhuma quebra, sem ruptura, que chamamos: dimensão imaginária. (NASIO, 1994, p. 27)

A dimensão do Real está totalmente fora desse universo de gozo em si mesmo. Um ser fálico, perfeito e distante de tudo que já se viu - pela união das suas pernas lembra uma sereia - encantadora, aquela que vai, definitivamente, destruir o sujeito. Na imagem também se torna visível o ocultamente de algo, daquilo que não pode ser visto, porém que vem à tona na presença do objeto perfeito: O Perfume. Sua forma redonda o leva a perfeição e a sua posição colocá-o como um tampão; aquele que vai cobrir e tapar toda fenda. O objeto pleno possui um formato intrigante: um círculo preso dentro de um quadrado. “É isso sim, a metáfora do universo circular, redondo e perfeito deste mundo imaginário no qual habitam o objeto absoluto do desejo e o Eu enquanto espectador aprisionado.” (RODRIGUEZ, 2011, p.107).


A igualdade, Perfume-Mulher é sem dúvida perceptível: ela parece estar prestes a ser aprisionada dentro deste ambiente, assim como o perfume foi. Algo que provoca o espectador e o deixa, definitivamente, sem fôlego. A forma sutil como ela toca a beira d’água é fantástica; um ser delicado, porém fatal, que vai a busca de algo que nunca deixará de ser viciada: sua imagem diante do espelho (água).

_______________________________

Análise: Nelson Filho, Yago Matheus e Laize Alves

segunda-feira, 28 de julho de 2014

#6 ILLAMASQUA


No anúncio da ILLAMASQUA vemos uma mulher em primeiro plano com um fundo totalmente preto. Logo que olhamos percebemos que essa não é uma mulher qualquer; o traço nos seus olhos, emoldurando-os, lembra-nos uma Deusa Egípcia. Traços perfeitos, linhas perfeitas para um olhar profundo, que inclusive direciona-se para o altíssimo, para o divino. Seu rosto redondo, seu cabelo com cortes geométricos, suas joias, pérolas e anéis preciosos reforçam mais ainda a perfeição dessa mulher. Suas unhas tocam a sua pele de forma a parecer que estão acariciando seu rosto perfeito, mostrando sua estima narcisista. O anel em um de seus dedos é como um olho, que nos olha e nos reconhece. Não podemos nos esquecer das suas unhas, que parecem criar olhos para nos seduzir. Sua boca é emoldurada para ressaltar o rosa, que não é qualquer rosa, mas sim um rosa delirante que, por sua vez, anuncia uma boca semiaberta, um gozo disfarçado, gozo totalmente fingido. Aqui o espectador se encontra em um universo totalmente imaginário, onde ele se reconhece e logo é seduzido. O real não pode entrar, pois a relação dual reina em caráter extremo.

Nesse mundo de joias, não podemos nos esquecer dos textos. ILLAMASQUA aparece do lado esquerdo do anúncio e logo acima tem uma figura, mas não qualquer figura: é uma cruz fechada por um círculo. Observa-se aqui, neste momento, dois elementos que reforçam ainda mais o poder e a perfeição dessa Cleópatra. É possível ver claramente que esse símbolo, que quase que se liga de forma perfeita ao colar de pérolas na mão dela, forma um terço, que a concede um poder de divina, reafirmando que ela é uma Deusa. Ainda há o texto: “Make-up for your alter ego”, ou seja, “Maquiagem para seu autoego”. Mas será maquiagem mesmo ou uma porção de delírio para seu ser narcisista? A oferta ao seduzido está concluída².

No anúncio acima, o efeito exagerado é evidente e necessário com cores sedutoras e que prendem nossa atenção e nosso olhar. No anúncio da ILLAMASQUA “o estranho é condição e limite do belo”².




1. Jesús Gonazález Requena diz no seu texto “Entre o signo e o espelho”: “É como uma invocação amorosa que, em muitas ocasiões, é reforçado por uma voz em off que viabiliza a oferta. E diz finalmente: É para você!”. No caso do texto acima a oferta foi viabilizada pelo slogan.
2. Segundo Trías (2006, p. 19), o sinistro é condição e limite do belo. É condição (sem sua referência o efeito estético não se produz, sem sua referência a obra carece de vitalidade), mas é também um limite: a exibição do sinistro (nua e crua, sem mediações simbólicas) destrói o efeito estético. (RODRÍGUEZ, Vanessa Brasil Campos. Além do Espelho: Análise de Imagens de Arte, Cinema e Publicidade. Anajé, Bahia, 2011, p. 103)

quinta-feira, 24 de julho de 2014

#5 JAÏPUR


No anúncio do Jaipur encontramos um corpo nu em segundo plano centralizado e logo abaixo, em primeiro plano, um objeto circular, o objeto publicitado, que aponta para o canto inferior esquerdo.

Ao olhar a figura acima, percebemos que entramos no campo do erótico, do prazer, do dual, do Masoquismo¹, que se fecha no ciclo: corpo, perfume, algemas, olho. O perfume se funde a pele da mulher e fecha-se de forma plena no seu corpo; como uma algema que prende as suas mãos e ao mesmo tempo anuncia que aquele gesto é definitivamente proposital. Temos na imagem analisada a elevação a um gesto do puro desejo, o perfume é, acima de tudo, o objetivo que a faz gozar.

Esse objeto com características antropomórfico se faz vivo na peça e cria nesse momento um olho, tendo assim, o papel de olhar e identificar o sujeito que está do outro lado e que logo será destruído pela plenitude e dualidade presente na cena.

Isto é próprio do mecanismo do espelho imaginário: produz a fantasia da fusão narcisista com o outro, isto é, a fantasia da recomposição da plenitude imaginária. Então, nem função informativa (transmitir informação), nem retórica (argumentar, convencer), mas fática, que acentua até o limite o contato comunicativo, entre Eu e você, não como figuras diferentes, mas como figuras idênticas, fundidas, únicas. (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995)

Nesse ambiente do imaginário, onde tudo entra no âmbito do igual, nada pode entrar e quebrar a plenitude do ser narcisista. Voltemos ao Masoquismo: o que se pode observar é um contrato firmado da pura satisfação do desejo, o do gozo; contudo não estamos falando do gozo real: ejaculação, mas sim do gozo na satisfação da plenitude alcançada no encontro com o objeto absoluto: Jaipur. Algo chama atenção no anúncio: o perfume-algema se funde no corpo da modelo na parte de trás, exatamente em cima das suas nádegas. Alguma justificativa para isso? Sim: “O papel também desempenhado no masoquismo pelas nádegas é facilmente compreensível, independentemente de sua base evidente na realidade. As nádegas são a parte do corpo que recebe preferência erógena na fase anal-sádica, tal como o seio na fase oral e o pênis na genital.” (FREUD, 1924).

A junção mulher-perfume é explicita, já que o objeto está definitivamente fundido ao seu corpo: ela é o preenchimento do mesmo, e ele por outro lado, é o tampão que ela necessita para torna-se plena e fálica. Podemos encontrar outra explicação para a ocultação da parte frontal da mulher em FREUD:

Essa estratificação superposta do infantil e do feminino encontrará posteriormente uma explicação simples. Ser castrado — ou ser cegado, que o representa — com freqüência deixa um traço negativo de si próprio nas fantasias, na condição de que nenhum dano deve ocorrer precisamente aos órgãos genitais ou aos olhos. (FREUD, 1924).

Ainda podemos falar da mudança de cor ao qual se torna perceptível; segundo Requena e Zarate (1995), esse episódio pode ser definido pelo “Nem Masculino, Nem Feminino”. Os signos textuais são de extrema importância aqui. Começamos pelo próprio nome do produto, Jaipur, nome de uma cidade da Índia conhecida como “Paraíso das Joias e Sedas”, logo não tem como não haver uma comparação ao formato do objeto absoluto, que é a própria metáfora de um anel. O slogan “An Parfum In  Attachant...” narra toda esta atmosfera ao ser traduzido: “Um perfume anexado”, ou seja, não há duvidas enquanto a pretensão deste anúncio: “[..] o masoquista deve fazer o que é desaconselhável, agir contra seus próprios interesses, arruinar as perspectivas que se abrem para ele no mundo real e, talvez, destruir sua própria existência real.” (FREUD, 1924).




1 Masoquismo nasce do desejo do outro; da necessidade de ter algo como desejo para suprir a falta que lhe é concedida enquanto sujeito desejante, algo relacionado ao preenchimento da falta e plenitude do falo imaginário.

Análise: Nelson Filho, Laize Alves e Yago Matheus

terça-feira, 22 de julho de 2014

#4 DOLCE & GABBANA - CREAMY FOUNDATION


Nessa bela imagem da DOLCE & GABBANA, temos em primeiro plano um objeto circular e uma linda modelo, que logo de início nos olha e nos reconhece.

Sobrepõe-se ao anúncio uma mulher deitada completamente de branco, em uma cama branca e com um tom de pele quase que bege. Mas essa mulher não é uma mulher qualquer, ela é perfeita; aqui a perfeição existe. Seu rosto parece ter sido desenhado, moldado à mão. Sua pele parece ser de porcelana e seus olhos de vidro. O cabelo brilha de forma anormal e sua boca parece não se mover. O tempo parece que a congelou, assim então, podemos colocar aqui o que Freud disse no seu texto “O Estranho (1919)”: “‘[...] dúvidas quanto a saber se um ser aparentemente animado está vivo; ou, do modo inverso, se um objeto sem vida não pode ser na verdade animado’ como figuras de cera, bonecos e autômatos engenhosamente construídos”¹. Temos no anúncio da DOLCE & GABBANA um exemplo claro de um ser que não se sabe se está vivo ou não. Algo inanimado que de tão perfeito, foge totalmente do plano do humano. A luz de fundo que chega ao seu belo rosto faz sua pele reluzir de forma a parecer uma porcelana, algo frágil e absoluto que alimenta a nossa carência de perfeição. O jogo de brancos que existe nesse ambiente concede a essa mulher um ar de divina, o Todo, a lua a própria luz².

Não se poderia deixar de citar a análise de Vanessa Brasil ao anúncio da mesma marca que está no seu livro “Além do Espelho”, e é justamente desta obra que saiu a seguinte frase: “Toda essa atmosfera estranha, mescla de fantástico, cria no espectador uma sensação de que ‘algo sentido, temido e secretamente desejado pelo sujeito, torna-se, de forma súbita, realidade’ (TRÍAS, 2006, p. 47)”

              O objeto, que toma sempre uma dimensão enorme para o nosso olhar, também tem papel importante aqui, pois foi ele que a imortalizou e a tornou um ser imortal, inanimado e o qual o tempo não pode corromper e nem atingir. O objeto total, no caso CREAMY FUNDATION, também tem um texto que reforça seu poder absoluto: “the new Perfect Finish”, ou seja, “O novo Acabamento Perfeito”, porém “Perfect Finish”, também pode ser lido como “Fim Perfeito”. Outra vez o objeto se coloca como pleno, absoluto e capaz de deixar o fim perfeito, mas um fim relativo, que durará pelo infinito dos tempos. Tudo isso nos faz delirar diante de um ser que é completo e foi feito sob medida para o nosso olhar poder gozar.



1.Texto tirado do livro “Além do Espelho”. (BRASIL, Vanessa, 2011, p.126)
2.Texto “Psicologia das Cores”. (BRASIL, Vanessa)