Tenho um fraco imenso por
comerciais e esse, em especial, me causa certa nostalgia e ótimas lembranças,
talvez seja por isso que amo assistir e mais que isso, analisá-lo. Esse curta
metragem carrega nos seus dois minutos uma carga de signos visuais responsáveis
por causar mais que um efeito estético na produção, mas como também, a
exaltação do perfume de todas as formas possíveis. Veremos a seguir, um exemplo
claro de um ser onipotente e onipresente dotada de tudo.
Começo minha análise. Logo que
iniciamos o comercial, é essa imagem que nos espera. Uma câmera alta é
responsável por fechar uma cena totalmente fascinante, onde temos o que parece
ser uma grande flor com pétalas de um rosa suave, um círculo centralizado e
dentro dele, também centralizado, uma mulher que está vestida com o mesmo
lençol que forma o círculo, um ser perfeito ao olhar. Seus gestos são
extremamente sutis e ditam o abrir e fechar desta imensa flor. Podemos observar
também que ela está com os olhos fechados durante todo o tempo, porém, em uma
mirada direta para a câmera, ela abre-os e direciona sua primeira visão para o
telespectador. No decorre destes primeiro segundo, também aparece o signo visual:
“Reb’l Fluer by Rihanna”, que logo some no decorrer das lindas pernas da modelo,
esse fato também é usado para mostrar sua onipotência. Não podemos deixar de observar
o fato de ela estar sendo gerada dentro de um círculo: “CÍRCULO – É o símbolo
da perfeição, daquilo que começa e acaba em si mesmo, da unidade, do infinito e
do absoluto”.
Neste
processo o órgão visual desempenha um papel decisivo. O olho é o órgão através
do qual o sujeito busca aquilo que carece, manifestando-se, assim, como um
órgão desejante. E, ao mesmo tempo, o olho (o olhar) sustenta um vínculo
visual, escópico, intensamente satisfatório, com o outro. (GONZÁLES REQUENA;
ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).
Essa situação me lembrou de algo
muito familiar, algo que de fato nos leva a um nascimento neste momento do
comercial; ela, a modelo, está sendo gerada no centro da flor, e , assim como
uma criança que acabou de nascer, ela fica todo o tempo com os olhos fechados e
só abre-os para fazer a identificação com a primeira imagem da sua vida, a mãe.
No caso do comercial, essa primeira imagem, a de identificação dual, fica com o
espectador, que foi reconhecido neste momento e levado à Fase do Espelho: “A
primeira forma de identidade, de consciência de si, no sujeito humano aparece,
por volta dos seis meses, quando o menino começa a perceber os limites de si, a
elaborar a diferença entre o dentro e o fora, entre o eu e o não eu”. (GONZÁLES
REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).
O movimento de abre e fecha (ao
qual vejo como adoração) continua e esse momento me lembra de outro fato: “O
Nascimento de Vênus”. Para quem não sabe, “O Nascimento de Vênus” é um quadro
famosíssimo de Botticelli que mostra uma linda mulher (Deusa da Beleza) gerada
de uma concha, algo que lembra o nascimento da modelo no comercial.
Uma luz, um ser divino
Depois de algum tempo a fazer os
gestos de adoração a si mesma, a modelo é totalmente fechada na imensidão de
pétalas e com um sorriso no rosto abre seus braços e vai em direção ao seu
desejo. Porém, antes de prosseguir, não poderia deixar de falar de um fato
totalmente surreal: uma luz vinda do altíssimo invade a cena nesse momento e
parece, digo que é sim, abençoar o nascimento da nossa Deusa perfeita e, agora,
divina. Fato lembra muito “A Anunciação”, veja:
A luz se fecha e ela abre os
olhos, vira para o lado e com o dedo indicador, aponta para seu desejo e vai
atrás dele. Corre e olha para trás em um ato de puro delírio, entrando assim,
em um labirinto, o labirinto especular ao qual ficará presa e ao qual é
extremamente viciada.
Um labirinto especular e fálico
Ela está perto de liberar seu
outro lado, o lado selvagem e fatal, além de, mais que nunca, narcisista.
Repare na imagem que coloquei acima, para ser mais específico, nas formas que
se apresentam neste momento e ao qual será mostrado nos próximos segundos do
comercial. Essas formas fálicas são uma forma evidente de mostrar o local de
poder que ela acaba de entrar. Um local do desejo e da plenitude do objeto
absoluto: o perfume. Tudo isso é colocado para reafirmar sua promessa de
totalidade e perfeição. Em outras palavras:
Sua
qualidade imaginária, enquanto é capaz de tornar possível tal restituição, vai
ser colocada em cena com todos os signos da apoteose, como por exemplo: uma iluminação
especial nos rostos dos atores, uma dinamização exagerada destes ou uma
exageração também do universo que habitam, uma profusão de gestos de êxtases,
uma intensificação cromática (a passagem do branco e preto para a cor), a
conquista do objeto amoroso, etc. (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995,
tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).
Agora chegou a hora da
transformação; uma metamorfose que dará a ela uma troca total de personalidade.
Sim, teremos uma mulher totalmente fatal e narcísica. Seu desejo pulsa e não
pode ser controlado, tem que ser saciado e será. Ao começar andar pelo
labirinto, ela depara-se com um espelho, que, inclusive, parece muito mais um
portal. Neste momento temos algumas confirmações: uma declaração explicita da
sua estima narcisista e “Bad Feels So Good”, traduzindo, “O Mal é tão Bom”, porém
o que temos, de fato, é: “O Proibido é Tão Bom (prazeroso)”.
As palavras ditam o que ela quer:
o proibido e revela ao espectador este segredo:
Quem
tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, fica convencido de que os mortais não
conseguem guardar nenhum segredo. Aqueles cujos lábios calam denunciam-se com
as pontas dos dedos; a denúncia lhes sai por todos os poros. Por isso, a tarefa
de tornar consciente o que há de mais secreto no anímico é perfeitamente
exequível. (FREUD, 1901-1905, v. VII)
O espelho: um portal para uma mente
narcisista
Ao passar pelo espelho, uma
mudança radical acontece: sua roupa, antes rosa, torna-se negra, uma arma
tatuada perto aos seis fica em evidência, a luz muda e a música, antes suave e
calma, toma um ritmo acelerado, frenético e que causa uma tensão no espectador.
Estamos prestes a presenciar o encontro dela com o seu objeto máximo de desejo,
porém antes entramos em um universo especular e totalmente fragmentado. Os
espelhos detêm grande função no local: mirar o espectador em uma olhada ao seu
próprio reflexo. Mas como seria isso? Reparem que em inúmeros momentos a modelo
mira seu reflexo no espelho, contudo ela mira o espectador, como se ele olhasse
seu reflexo e a visse. Uma técnica que serve para estabelecer uma igualdade e
reafirmar que o ambiente é dual, fechado e ao qual nenhum terceiro elemento
poderá entrar.
Ela olha, coloca a mão na boca e
a deseja de forma intensa. Nesse momento, em um movimento narcisista, como todo
o comercial, ela entra no espelho em uma profusão dela mesma. Parece que a sua
caminhada por esse lugar de desejo se resume a isso: admiração de si e a busca
de seu reflexo dentro dos objetos especulares; ela encontrará o que procura
justamente assim.
Acredito que estamos no campo do
erotismo; o ambiente é erótico: “Neste sentido, o ser se perde objetivamente,
mas então o sujeito se identifica com o objeto e se perde. Se for necessário,
posso dizer, no erotismo: Eu me perco.” (BATAILLE, 1979, p.48, tradução:
Vanessa Brasil Campos Rodríguez).
A imagem acima é intrigante. Toda
vez que a olho tento desvendar, no movimento do seu giro, se não estamos na sua
mente: fragmentada e psicótica. Sim, acredito que esse é um desfecho da sua
realidade; um ser que não faz um gesto que não seja o da sua adoração; ela
ama-se e deseja-se acima de qualquer coisa. Os fragmentos expostos na cena
narram justamente isso que acabei de dizer. Os rapazes que aparecem, em forma
de reflexo, mostram o que ela possui em seu inconsciente: o desejo de possuir
um falo, ela imagina e crê que é dotada de tudo e realmente ela está certa.
Entramos no campo do Fetiche e o Falo que ela imagina ter não é o Real, mas sim
o imaginário, que foi perdido e que toma vida na forma do seu objeto dual: o
perfume. “O Falo não é o pênis enquanto órgão. O Falo é um pênis fantasiado,
idealizado, símbolo da onipotência e de seu avesso, a vulnerabilidade” (NASIO,
2005, pág. 22).
Isso
equivale a dizer que normalmente deveria ter sido abandonado; o fetiche, porém,
se destina exatamente a preservá-lo de modo mais simples: o fetiche é um
substituto do pênis da mulher (da mãe) em que o menininho outrora acreditou e que
– por razões que nos são familiares – não deseja abandonar. (FREUD, 1927)
Para quem ainda não percebeu,
estamos vendo uma anunciação para a chegada de algo dotado de plenitude e
poder.
Um olhar no espelho que leva ao
gozo
Ao
chega à armadilha especular, o espelho dita as regras e deixa em evidência uma
adoração constante do Eu. Não há um gesto que não seja o de querer-se o tempo
todo e, além disso, faz do espectador o alvo da sua mirada: “O espectador e seu
desejo ficam assim aderidos a este universo imaginário, a esse dublê sedutor e
oco, esvaziado de toda identidade diferencial, que lhe captura com seu olhar
sedutor, absoluto e exclusivamente fático.” (GONZÁLES REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e
adaptação: Vanessa Brasil Campos Rodríguez).
Outro
fato eleva mais ainda o poder dela: joias. Sem sombra de dúvidas os anéis em
seus dedos são preciosos, e enquanto uma mão possui quatro anéis, o outro
apenas dois. Qual seria a explicação para isso? Em breve será destrinchado
aqui. Ainda na sua caminhada, a câmera corta a cena deixando apenas uma de suas
pernas em evidência e logo a seu lado um pedaço de espelho. Enquanto caminha,
passando pelo pedaço dito acima, o espelho não reflete seu rosto, mas sim, o de
um rapaz, que mais uma vez aparece como uma mirada da sua mente. Presenciamos
de maneira explícita o “Nem Masculino, Nem Feminino”, colocado por Requena como
uma das estratégias desse tipo de comercial.
Por sua própria estratégia, o jogo
de imagens que conduzem à visualização publicitária do objeto narcisista
absoluto, tendem de forma inevitável, por sua lógica de identificação, a apagar
toda diferença. Tanto nas figuras do destinador e destinatário, quanto nas do
masculino e do feminino. (GONZÁLES
REQUENA; ORTIZ DE ZÁRATE, 1995, tradução e adaptação: Vanessa Brasil Campos
Rodríguez)
A seguir, mais uma vez ela mira o
espectador e rapidamente tira seu olhar para o lado. Isso se repete ao decorrer
de todo comercial, uma forma de dizer: siga meu olhar e goze!
Agora
vamos falar do Mito de Narciso. Porém, antes vamos ver outra cena que mira o
espectador, mas é bom observar o rapaz cortado ao lado. Ele está fora do
espelho, e poderia parecer um terceiro elemento, contudo, ele não representa a
lei, bem pelo contrário, pela ocultação do seu olho e o foco no dela mostra que
são a mesma coisa. Ela é o olho dele. Ainda temos alguns outros fatos na
imagem: uma luz aparece no espelho, como um olho, como uma luz divina que
acompanhará a próxima cena, ela toca-se acariciando a si mesma enquanto se olha.
Outro fato: ela está centralizada. “[...] a visão das imagens (artísticas, no
caso) consiste em organizar esses diferentes centros com relação ao centro
“absoluto” que é o sujeito espectador.” (AUMONT, 2004, pág.148)
O Mito de Narciso
Decidi
reservar uma parte exclusiva para esse tópico, pois, como venho repetindo desde
o começo, estamos em um labirinto narcisista. Para entender mais, caso não
conheça a história, leia abaixo:
Narciso entristeceu-se e foi à
beira de um lago, onde, de modo surpreendente, deparou-se com sua imagem nos
reflexos da água. Como nunca antes havia se olhado (pois sua mãe foi
recomendada a não permitir que isso ocorresse), enamorou-se perdidamente,
acreditando ser a pessoa com quem estava “dialogando”. Por isso, tentou buscar
incessantemente o seu reflexo, imergindo nas águas nesse intento, mas acabou
morrendo afogado. (BRASIL ESCOLA)
A
imagem que colocarei embaixo revela a fascinação pelo seu próprio reflexo. Ela,
a modelo, leva sua mão em direção ao espelho (câmera) para pegar sua imagem.
Mas qual espelho, já que na cena dita não aparece? O espelho dual do
espectador. No momento em que ela eleva a mão para pegar sua imagem, ela quer
na verdade a imagem de quem está observando-a, pois a relação dual também
ocorre com quem a ver. Uma vez que sua atitude não é bem sucedida, visto que a
imagem no espelho não pode ser pega apenas observada e desejada, sua mão bate,
a câmera muda de lado, reafirmando que existia um espelho imaginário ali, e ela
coloca a mão na boca em uma cena de desejo delirante. Sem sombras de dúvidas
temos uma referência explicita ao Mito de Narciso.
Continua...
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Referências
Título é uma referência à análise: Mogambo de John Ford: um trajeto em direção ao gozo. RODRÍGUEZ, Vanessa Brasil Campos. Além do Espelho: Análise de Imagens de Arte, Cinema e Publicidade. Anajé, Bahia, p.47 - 65, 2011.
REQUENA,
Jésus González. O comercial de televisão:
entre o signo e o espelho, Jésus González Requena / Tradução e adaptação:
Vanessa Brasil C. Rodríguez. _______________, 1995.
AUMONT,
Jacques. A Imagem. Campinas, SP:
Papirus, 2004.
NASIO, Juan
David. Édipo – O complexo do qual
nenhuma criança escapa. Rio de Janeiro, RJ, 2005.
BRASIL ESCOLA.
Etória de Narciso e Eco. Disponível em:
http://www.brasilescola.com/mitologia/estória-narciso-eco.htm. Acesso em: 08 jan. 2014.
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GIRAFA MANIA.
Simbologias - Simbólos. Disponível em:
http://www.girafamania.com.
br/montagem/simbolos.html. Acesso em: 25 ago. 2014.
br/montagem/simbolos.html. Acesso em: 25 ago. 2014.
Imagens
INFO ESCOLA.
Fra Agelico. Disponível em: http://www.infoescola.com/biografias/fra-angelico/.
Acesso em: 25 ago. 2014.
YOU TUBE. Reb’l
Fluer by Rihanna. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iyy4wn
3E730. Acesso em: 24 ago. 2014.
3E730. Acesso em: 24 ago. 2014.